Chapeuzinho vermelho de raiva
— Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica aqui mais pertinho da vovó, fica.
— Mas vovó, que olho vermelho... E grandão... Que que houve?
— Ah, minha netinha, estes olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, heim?
— Guarujá, vovó. Passei o fim de semana lá. A senhora não me leva a mal, não, mas a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande! Tá tão esquisito, vovó.
— Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização do bosque que é um Deus nos acuda. Fico o dia todo respirando este ar horrível. Chegue mais perto, minha netinha, chegue.
— Mas em compensação, antes eu levava mais de duas horas para vir de casa até aqui e agora, com a estrada asfaltada, em menos de quinze minutos chego aqui com a minha moto.
— Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?
— Puxa, já ia me esquecendo: a mamãe mandou umas coisas para a senhora. Olha aí: margarina, Helmmans, Danone de frutas e até uns pacotinhos de Knorr, mas é para a senhora comer um só por dia, viu? Lembra da indigestão do carnaval?
— Se lembro, se lembro...
— Vovó, sem querer ser chata.
— Ora, diga.
— As orelhas. A orelha da senhora está tão grande. E ainda por cima, peluda. Credo, vovó!
— Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde já se viu fazer música deste tipo? Um horror! Você me desculpe porque foi você que me deu, mas estas guitarras, é guitarra que diz, não é? Pois é; estas guitarras são muito barulhentas... Não há ouvido que aguente, minha filha. Música é a do meu tempo. Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas... Ah, esta juventude está perdida mesmo.
— Por falar em juventude o cabelo da senhora está um barato, hein? Todo desfiado, pra cima, encaracolado. Que que é isso?
— Também tenho que entrar na moda, não é, minha filha? Ou você queria que eu fosse domingo ao programa do Chacrinha de coque e com vestido preto com bolinhas brancas?
Chapeuzinho pula para trás:
— E esta boca imensa???!!!
— avó pula da cama e coloca as mãos na cintura, brava:
— Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?!
(Mário Prata. Chapeuzinho Vermelho de raiva. Porto Alegre, Globo, 1970)
No trecho “Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas...” a pontuação que finaliza o período reforça a ideia de