A cadeira do dentista
Carlos Eduardo Novaes
O dentista surgiu com aquele ar triunfal de quem jamais teve cárie. Ah! Como adoraria vê-lo sentado na própria cadeira extraindo um siso incluso! Mal me acomodei e ele já estava curvado sobre a cadeira, empunhando dois miseráveis ferrinhos, louco para entrar em ação. Nem uma palavra de estímulo ou reconforto. Foi logo ordenando:
– Abra a boca.
Tentei, mas a boca não obedeceu aos meus comandos.
– Não vai doer nada!
– Todos dizem a mesma coisa – reagi. Não acredito mais em vocês!
– Abra a boca! – insistiu ele.
Abri a boca. Numa cadeira de dentista sinto-me tão frágil quanto um recruta diante do sargento do batalhão.
Ele enfiou um monte de coisas na minha boca e tocou o dente com um gancho.
– Tá doendo?
– Urgh argh hogli hugli.
Os dentistas são tipos curiosos. Enchem a boca da gente de algodão, plástico, secadores, ferros e depois desandam a fazer perguntas. Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça. Para mim, a dor tem nuances, gradações que vão além dos limites de um sim-não.
– A anestesia vai impedir a dor – disse ele, armado com uma seringa.
– E eu vou impedir a anestesia – respondi duro segurando firme no seu pulso.
Ele fez pressão para alcançar minha pobre gengiva. Permaneci segurando seu pulso. Ele apoiou o joelho no meu baixo ventre. Continuei resistindo, em posição defensiva. Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou a poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.
– Não pense que o senhor vai me anestesiar como anestesia qualquer um – disse, dando-lhe um tapa na mão.
A seringa voou longe e escorregou pelo assoalho. Corremos os dois pra alcançá-la, caímos no chão, embolados, esticando os braços para ver quem pegava a seringa. Tapei-lhe o rosto com meu babador e cheguei antes. A situação se invertera: eu estava por cima.
– Agora sou eu quem dá as ordens – vociferei, rangendo os dentes. – Abra a boca!
– Mas… não há nada de errado com meus dentes.
– A mim você não engana. Todo mundo tem problemas dentários. Por que só você iria ficar de fora? Vamos, abra essa boca!
– Não, não, não. Por favor – implorou. Morro de medo de anestesia.
Era o que eu suspeitava. É fácil ser corajoso com a boca dos outros. Quero ver continuar dentista é na hora de abrir a própria boca. Levantei-me, joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo:
– Você não passa de um paciente!
(SAEB D10) O fato que desencadeou a narrativa foi000