Políticas de combate à fome: enfrentando um problema complexo e multifacetado
Por Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP; Daniela Carolina Perutti, pós-doutoranda do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da
USP e Gustavo Carneiro Vidigal Cavalcanti, doutorando da Escola de Artes, Ciências e Humanidades
(EACH) da USP*
Post category: Artigos. Publicado: 11/01/2023.
A incidência da fome está associada à emergência de situações históricas críticas. Sua expressão
máxima, quando grupos sociais inteiros não têm acesso à nutrição mínima para a sua sobrevivência,
é o indicador mais poderoso de que essa sociedade está passando por uma crise avassaladora. Mais
comumente, a fome descreve situações de carência permanente, onde uma família não consegue
amealhar recursos suficientes para estar tranquila sobre a continuidade do seu acesso à comida. Mas
a questão da fome se liga também à qualidade da alimentação ao alcance dessa família. É sabido que,
em todo mundo, inclusive em países do norte global, uma parcela importante da população restringe
seu cardápio a alimentos ultraprocessados mais acessíveis, que saciam a fome sem oferecer os
nutrientes necessários para a saúde. É o conhecido fenômeno da incidência de altas taxas de obesidade
associadas a situações de carência alimentar profunda e permanente.
Portanto, a questão da fome é um fenômeno complexo, multifacetado, que emerge associado ao
conjunto de múltiplas condições que produzem e reproduzem a desigualdade. O desenho de políticas
para enfrentar a fome não é um exercício simples.
No curto prazo, políticas contra a fome focam em garantir o acesso ao alimento: elas se corporificam
em programas de distribuição de cestas básicas e de transferência de renda para setores da sociedade
criticamente afetados pela insegurança alimentar. No Brasil, a política de oferta de merenda escolar
evoluiu para se converter numa poderosa política pública voltada para evitar os efeitos deletérios
da fome. Essa política garante o acesso a refeições balanceadas e ricas às crianças matriculadas
no ensino básico. Simultaneamente, ao dirigir parte de suas compras para a aquisição de produtos
oriundos da agricultura familiar, ela contribui para criar um mercado com potencial para estabilizar e
aumentar os ganhos das famílias de pequenos agricultores, que estão entre os setores mais afetados
pela pobreza.
Outra família de políticas voltadas para o enfrentamento da fome foca especificamente a questão
da qualidade nutricional da alimentação acessível à população. A produção de conhecimento nessa
área, no Brasil, é impressionante. Aqui, o desafio está na conversão desse conhecimento em políticas
baseadas em evidências. A ação regulatória do estado sobre a indústria de alimentos, em particular os
alimentos ultraprocessados, é uma faceta central dessa família de políticas.
[...] Reconhecer, valorizar, e incorporar essas trajetórias e seus atores como sujeitos de políticas
– e não apenas como seus beneficiários – é um passo fundamental para o sucesso de uma nova
geração de políticas que mude intrinsecamente o valor da alimentação saudável em nossa sociedade.
No trecho “[...] Mas a questão da fome se liga também à qualidade da alimentação ao alcance
dessa família [...]”, o termo destacado expressa o sentido de